Deus Existe (Introdução)
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INTRODUÇÃO
Desde o anúncio da minha «conversão» ao deísmo que em numerosas ocasiões me pediram para explicar as razões da minha mudança de opinião. Em alguns artigos meus, que entretanto saíram, e na nova introdução à edição de 2005 do meu livro God and Philosophy, chamei a atenção para a importância de algumas obras recentes para a actual discussão sobre Deus, mas nada adiantei sobre as minhas próprias opiniões. Fui agora persuadido a apresentar o que pode chamar-se o meu testamento final. Resumindo, acredito agora, como diz o título do livro, que Deus existe! O subtítulo «Como mudou de opinião o mais famoso dos ateus» não foi da minha lavra. De qualquer modo, é com satisfação que o utilizo, pois a invenção e uso de títulos ousados, embora oportunos, são para os Flew uma espécie de tradição de família. O meu pai, um teólogo, organizou numa certa ocasião uma colectânea de ensaios da sua autoria e de alguns dos seus antigos alunos e deu a esta brochura o título paradoxal, embora inequivocamente adequado e informativo, O Catolicismo do Protestantismo. No que respeita ao modo de apresentação, embora não quanto à substância, segui o seu exemplo, e publiquei no meu tempo artigos a que dei títulos como «Bem-intencionados que tencionam fazer o mal?» e «É de apostar na aposta de Pascal?».
Há uma coisa que devo esclarecer desde o começo. Quando a notícia de que eu tinha mudado de ideias começou a circular nos meios de comunicação e na ubíqua internet, alguns comentadores apressaram-se a dizer que a minha idade avançada influenciou a minha «conversão». Foi dito que o medo afecta poderosamente a mente, tendo estes críticos concluído que foi a expectativa de uma entrada iminente no Além que despoletou uma conversão no leito de morte. É claro que estas pessoas não estão familiarizadas com os meus escritos sobre a inexistência de uma vida para além da morte, nem com as minhas presentes opiniões sobre o tópico. Durante mais de 50 anos, neguei não apenas a existência de Deus, mas também a existência de uma vida no Além. As minhas conferências Gilbert, publicadas em The Logic of Mortality, representam o culminar deste processo de pensamento. Trata-se de uma área em que não mudei de opinião. A não ser que ocorra uma revelação extraordinária, possibilidade bem representada na contribuição que N. T. Wright deu a este livro, não me vejo a «sobreviver» à morte. Que fique registado, então, que gostaria que fossem enterrados todos esses rumores que me põem a fazer a aposta de Pascal.[1]
Devo assinalar, no entanto, que não é a primeira vez que «mudo de ideias» sobre uma questão fundamental. Para dar um exemplo, os leitores que conhecem a minha vigorosa defesa do mercado livre podem ficar surpreendidos se souberem que já fui um marxista (para os pormenores, ver o segundo capítulo). Além disso, há mais de duas décadas atrás, abandonei a minha antiga opinião de que todas as escolhas humanas são determinadas inteiramente por causas físicas.
Como este livro trata das razões que me levaram a mudar de ideias sobre a existência de Deus, será natural que se pergunte sobre as minhas convicções antes da «mudança» e o que as justificava. Os primeiros três capítulos procuram responder a esta questão e os restantes sete descrevem a minha descoberta do divino. Na preparação dos últimos sete capítulos, fui grandemente ajudado pelas discussões que tive com os professores Richard Swinburne e Brian Leftow, o antigo e o actual ocupante da Nolloth Chair em Oxford.
Este livro contém dois apêndices. O primeiro é uma análise do chamado novo ateísmo de Richard Dawkins e de outros, da autoria de Roy Abraham Varghese. O segundo é um diálogo que continua em aberto sobre um tópico de grande interesse para a maioria dos crentes – a questão de se saber se há algum tipo de revelação divina na história da humanidade, com especial atenção para o que se diz que aconteceu com Jesus de Nazaré. Com o objectivo de dar um contributo para o diálogo, o estudioso do Novo Testamento, N. T. Wright, actualmente bispo de Durham, ofereceu gentilmente a sua avaliação de toda a massa de factos históricos que estão na base da fé em Cristo dos teístas cristãos. De facto, tenho de dizer que o bispo Wright apresenta aquele que é de longe o melhor argumento que conheço para aceitar a fé cristã.
Devo talvez dizer alguma coisa sobre a minha «notoriedade» enquanto ateu, a que faz referência o subtítulo. O primeiro dos meus trabalhos antiteológicos foi o artigo «Theology and Falsification». Esse artigo foi mais tarde reimpresso em New Essays in Philosophical Theology (1955), co-organizado por mim e por Alasdair MacIntyre. New Essays constituiu uma tentativa de aferir o impacte sobre os assuntos teológicos daquilo a que na altura se chamava a «revolução na filosofia». O meu trabalho seguinte mais significativo foi God and Philosophy, publicado pela primeira vez em 1966 e reeditado em 1975, 1984 e 2005. Na sua introdução à edição de 2005, Paul Kurtz, um dos actuais líderes do ateísmo, e autor de «Humanist Manifesto II», escreveu: «é com grande satisfação que a editora Prometheus Books apresenta um livro que se tornou um clássico da filosofia da religião.» God and Philosophy foi seguido em, 1976, por The Presumption of Atheism, publicado nos Estados Unidos em 1984 com o título God, Freedom and Imortality. Outras obras relevantes foram: Hume´s Philosophy of Belief, Logic and Language (série I e II), An Introduction to Western Philosophy: Ideas and Arguments from Plato to Sartre, Darwinian Evolution e The Logic of Mortality.
É realmente paradoxal que a minha primeira publicação em defesa do ateísmo tenha sido apresentada num fórum presidido pelo maior apologista cristão do século passado – o Socratic Club presidido por C. S. Lewis. E outro paradoxo tem a ver com o facto de o meu pai ser um dos principais escritores e pregadores metodistas em Inglaterra. Mais, no início da minha carreira, eu não mostrava especial interesse em vir a ser filósofo profissional.
Mas como de facto todas as coisas boas – quiçá todas as coisas sem excepção – têm de ter um fim, não me adiantarei mais com estas palavras introdutórias. Deixarei que os leitores decidam o que fazer com os argumentos que me levaram a mudar de opinião sobre a questão de Deus.
[1] A «aposta de Pascal» é um argumento indirecto e «utilitarista» a favor da existência de Deus divisado pelo filósofo francês Blaise Pascal (1623-62), segundo o qual é preferível acreditar em Deus do que não acreditar. Pascal chega a esta conclusão raciocinando do seguinte modo: Não havendo razões que decidam claramente a favor ou contra a existência de Deus, o que temos de ver é qual destas alternativas constitui a melhor aposta. Como podemos sabê-lo? Pascal diz que devemos considerar quais seriam o melhor e o pior dos resultados possíveis. O melhor seria acreditar em Deus e Deus existir, estando assim garantida a nossa ida para o Paraíso. O pior seria não acreditar em Deus e Ele existir, sendo certo, neste caso, o sofrimento eterno. Postas as coisas nestes termos, qualquer apostador racional (calculista) apostará na existência de Deus. (N. T.)
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