O Credo (1.º capítulo)
Publicado em
CAPÍTULO I – INTRODUÇÃO
§ 1. Origem
O «Credo» cristão acompanha a origem, o nascimento e o crescimento da Igreja: toda a Comunidade e especialmente os «doze» apóstolos receberam do próprio Senhor Ressuscitado a missão fundamental: «Ide por todo o mundo, fazei discípulos de todas as nações, baptizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinai-os a observar tudo quanto vos ordenei. E Eu estarei convosco, todos os dias, até à consumação dos séculos» (Mt 28,19-20).
Este mandato, expresso e solene, dado a toda a Igreja e em especial ao seu grupo dirigente (os doze apóstolos), recebido e acolhido, vai constituir o impulso fundamental para o crescimento universal da comunidade, transformada em Igreja, pela recepção do dom prometido, o Espírito Santo, no dia de Pentecostes, em Jerusalém. Aqui e agora começa a expansão contínua da Igreja. Mas como?, perguntar-se-á… Pelo anúncio e explicação do conteúdo do acontecimento-Cristo (sobretudo o Seu mistério pascal) e de toda a Sua revelação, que vem culminar e ultrapassar a revelação realizada em Israel e plasmada naquilo a que chamamos o Antigo Testamento (melhor seria dizermos o livro da Aliança entre Iavé e o Seu Povo, Israel). O evento-Cristo, com todo o seu significado, por mandato expresso do próprio Senhor, tem assim de ser anunciado e explicado, quer aos que provêm do judaísmo, quer aos que provêm de fora (Grécia, Roma), os «pagãos».
É desta situação vital que nascem todos os textos do Novo Testamento e também os «credos», as sínteses da revelação, que vão surgindo: o que é essencial no seguimento de Jesus? Mas, quem era Jesus Cristo? Homem ou Deus? Messias esperado ou profeta falhado? E o Espírito Santo, que é ou quem é?
Tendo-se Jesus manifestado não só Messias de Israel como Filho de Deus, simultaneamente revelado e revelador, era necessário exprimir o conteúdo da revelação: o verdadeiro rosto de Deus, o caminho para Ele, o desígnio de Deus sobre o homem, o lugar da Igreja, etc., etc. Os quatro Evangelhos, os Actos dos Apóstolos, as Cartas ou epístolas dos vários apóstolos, o Apocalipse de São João, todos estes documentos protocristãos, que não estavam reunidos como hoje acontece, constituindo o que chamamos Novo Testamento, todos estes documentos procuram transmitir, sob diversos aspectos, o acontecimento-Cristo. Mas era necessário resumir, tirar dúvidas, esclarecer conceitos, repudiar afirmações confusas e erróneas.
Assim, desta necessidade de compreensão, de síntese e de anúncio, nascem estes «resumos», em grego, chamados «símbolos», que tinham também a função de «senha e contra-senha», de sinal de identificação entre os que acreditavam e perante os que estavam de fora…
Importante também é referir a ligação íntima do Credo, na sua origem, aos sacramentos, especialmente ao baptismo. Pergunta-se ao baptizando (catecúmeno), ou ao seu representante: «Renuncias a Satanás?», etc., e depois do «Sim, renuncio», vem o «Crês [ou acreditas]? Sim, creio em Deus» e por aí fora. Este esquema dialogal, de pergunta-resposta, prévio ao baptismo, ainda hoje se mantém e contém o essencial da fé cristã: é um «mini-credo», que se foi desenvolvendo ao longo dos séculos e em resposta às necessidades dos tempos. O Credo, ou símbolo, manifesta-se assim como denominador comum da fé dos crentes, face uns aos outros e face aos não-crentes. Numa palavra de síntese, o Credo manifesta o conteúdo, aquilo em que se acredita: Crês? Creio! Mas em quê? E vem então o enunciado do Credo, o conteúdo, artigo por artigo.
Claro que este resumo ou síntese das verdades da fé, para ser credo ou símbolo não pode ser simples fruto da inteligência de um qualquer «teólogo»; para ter «validade», é necessária a aceitação e confirmação por parte da Igreja. Não é um mero documento privado, mas sim um documento oficial, público, sancionado pela autoridade eclesial, Papa ou Concílio.
Ao longo da história, com este sentido e significado, foram naturalmente surgindo, conforme as circunstâncias e necessidades, vários Credos ou sínteses. O Credo mais curto é, sem dúvida, o «sinal da Cruz», com as palavras: «Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ámen.» É a confissão da fé no sinal da redenção (a cruz), realizada por Jesus Cristo e na Santíssima Trindade. Muito importante é o chamado «Símbolo dos Apóstolos» (SA), muito antigo (século ii), cuja origem assenta numa lenda: reunidos os apóstolos em Jerusalém, depois da ascensão de Jesus, Simão-Pedro diz: «Creio em Deus…»; outro apóstolo continua: «Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra» e assim por diante, brotando espontaneamente, da boca de cada apóstolo, por acção do Espírito Santo, cada um dos artigos do Credo. Embora seja uma «lenda», mostra-nos a antiguidade e a origem, Jerusalém; adoptado pela Igreja de Roma, este Credo espalhou-se por todo o mundo e no Ocidente era o mais usado pela Igreja Católica, até ao Concílio Vaticano II.
O Credo niceno-constantinopolitano (NC), agora o mais utilizado, é uma proclamação doutrinal do Concílio de Niceia (325), o primeiro de todos os Concílios ecuménicos, e do Concílio de Constantinopla (381). Mais rico e complexo que o Símbolo dos Apóstolos, respondendo a fortes contestações teológicas e a diversas heresias, além do seu mérito intrínseco é ecumenicamente o mais valioso, pois foi adoptado oficialmente pelas três grandes confissões cristãs: católicos, ortodoxos e protestantes.
De referir ainda, entre os diversos Símbolos, o «Quicumque», proveniente da Gália, do século v, e mais recentemente o chamado «Credo do Povo de Deus» (1968), em que o Papa Paulo VI explica e proclama a fé tradicional da Igreja, reforçando algumas afirmações contestadas ou caídas no esquecimento.
§ 2. Significado
O que acabámos de expor no parágrafo anterior já diz bastante sobre o significado do Credo. No entanto, são necessários ainda alguns acrescentos e esclarecimentos.
Como dissemos, o Credo é uma síntese da revelação histórica de Deus acontecida em Israel e em Jesus Cristo e verbalizada no Antigo e Novo Testamento; corresponde, portanto, ao conteúdo da fé cristã, àquilo em que se acredita.
Se a fé é a resposta do Homem a Deus e à Sua Revelação, então só posso dizer «acredito» ou «creio» quando chego ao fim do Credo… Tenho primeiro de conhecer o conteúdo essencial da Revelação, desde o início… «Creio em um só Deus» até ao final, «e na vida que há-de vir». Só então, perante o todo, é possível acolher, aderir, dizer «Ámen! Sim!» conscientemente, com a inteligência mas também com o coração. Mas quando tal acontece, o Credo, além de um «esqueleto», torna-se também uma «regra de vida», um «cânone» da fé.
De salientar ainda o significado unitivo do Credo. Na verdade, o Credo faz a ponte entre gerações (confesso a mesma fé que um cristão do século v ou do século xvi) e também é a ponte actual e o traço comum entre um cristão de Lisboa e outro de Adis Abeba ou de Pequim. O Credo tem pois um valor quer diacrónico quer sincrónico.
Importante é também referir que há muitas verdades essenciais da fé cristã que não estão no Credo, e muitas outras que lá estão, apenas de modo implícito.
§ 3. Estrutura
Em termos textuais e teológicos, basta ler com atenção, é óbvia a estrutura do Credo, simultaneamente, unitária e trinitária. A afirmação unitária básica é «creio em Deus» (SA) ou «creio em um só Deus» (NC). Depois desta afirmação vem então a referência trinitária, às três pessoas divinas, Pai, Filho e Espírito Santo, seguindo-se a cada uma das pessoas aquilo que a «define», a «obra» que lhe é atribuída; resumindo, ao Pai, a criação, ao Filho, a redenção e ao Espírito Santo, a santificação.
É afirmado ainda: «Creio na Igreja.» Mas, atenção, aqui o sentido da palavra «creio» é muito diferente: não cremos na Igreja como cremos no Pai, no Filho ou no Espírito Santo; só cremos em Deus, nas pessoas divinas. Quando afirmamos «creio na Igreja» estamos a dizer duas coisas: que a Igreja é o «local», o «espaço humano», onde acreditamos, onde recebemos e alimentamos a nossa fé; e ainda que a Igreja é a grande «obra» do Espírito Santo, o grande «instrumento» de santificação (pela Palavra, sacramentos, caridade, etc.). Portanto, não acreditamos em quatro «realidades», a SS. Trindade, mais a Igreja; mas, na Igreja, acreditamos exclusivamente nas três pessoas divinas: só elas são dignas da nossa adoração e da nossa fé! De facto, a fé não termina nas palavras, nas expressões, mas nas pessoas, pois é acolhimento, resposta e encontro com o próprio Deus que Se revela e comunica.
Portanto:
Creio em um só Deus - Pai – Criador
- Filho – Redentor
- Espírito Santo – Santificador
Creio na Igreja - «local»
- «obra» do E.S.
A nossa reflexão terá como objecto o Credo niceno-constantinopolitano (NC). Recorremos ao Símbolo dos Apóstolos (SA) apenas para contrastar e enunciar diferenças significativas de conteúdo.
Partilhar esta publicação
- 0 comentários
- Etiquetas: 123270068
← Publicação Mais Antiga Publicação Mais Recente →