Introdução

Posted by Hugo Neves on

(…) Falta de transparência e de accountability. Este termo britânico é enorme, mas significa que, em matérias de dinheiro do povo, tudo, tudo deve ser pormenorizadamente explicado — porquê, para quê, com que utilidade — aos contribuintes. Portanto, notámos um défice de capacidade de gestão, de monotorização e de fiscalização dos contratos de PPP e ausência de controlo integrado por parte do sector público. Abrangeu todas as PPP.(…)” [1]

De uma maneira geral esta citação resume o quadro do recurso às Parcerias Público-Privadas em Portugal. Foi pelo menos essa a grande conclusão a que a Comissão Parlamentar de Inquérito mais rapidamente tirou.
 As PPP revelaram ao país números chocantes e uma factura demasiado elevada para se pagar. Os seus contratos foram mal negociados e foram sobretudo feitos por pressão política e em coincidência com períodos eleitorais. Foram um instrumento de propaganda de diversos governos que desvirtuou as suas potencialidades: reduzir encargos para o Estado e satisfazer as necessidades públicas. As PPP transformaram-se num luxo em vez de uma necessidade e isso hipotecou-nos por largos anos. Quisemos durante muitos anos levar uma vida de ricos num país que continua pobre. Tornámo-nos ricos em betão mas continuamos pobres na educação. Temos um país com infra-estruturas mas sem economia para as utilizar, um país com estradas e pontes mas sem dinheiro para as pagar. Somos ricos em cimento mas continuamos pobres em conhecimento.
Fomos fracos. Ou melhor, o Estado foi fraco. É difícil perceber-se que PPP como a Lusoponte, que foram construídas na premissa de não trazerem custos aos contribuintes já nos tenham custado quase mil milhões de euros, como também é difícil perceber que, não fosse a decisão política, esta mesma PPP fosse reequilibrada financeiramente pela primeira vez  - e foi 9 vezes em 18 anos – no mesmo dia da assinatura do contrato de concessão. Como também ninguém percebe, por exemplo, porque é que foram, nalguns casos, as concessionárias a definir as suas próprias rentabilidades. Ou porque é que se assumiu compromissos financeiros em nome do Estado, para as subconcessões, em 2010 para serem debitados em 2014 quando, se não tivesse havido demissão do governo anterior, teríamos eleições legislativas em 2013.
Muito cedo houve quem alertasse para a perversidade deste sistema. Não faltou quem olhasse para as PPP, ou para a forma como sempre foram feitas, com desconfiança e prudência. Mas o imperativo eleitoral impôs-se sempre. O sonho de um interior progressista e moderno, o sonho do combate a desertificação e à promoção da coesão territorial não passou disso mesmo. De um sonho. O argumento, por muitos utilizado, de que o “progresso” pagaria os investimentos rapidamente se esfumou.
Mas o Estado não foi apenas fraco na forma como recorremos a este tipo de contratação. Foi fraco também porque não se modernizou. Não deu competências aos seus funcionários e colocou-se sempre numa posição de inferioridade em relação aos parceiros privados.
Quase todos os sinais de alerta foram ignorados. Os sucessivos governos seguiram a grande velocidade esta lógica errada de financiamento e de querer fazer obra só porque sim. O problema das PPP não está no seu modelo. A partilha de risco entre o público e o privado traz virtualidades que podem e devem ser incentivadas. Têm é de ser fiscalizadas. Estes contratos PPP foram feitos, na sua maioria, contra os interesses de uma das partes. O Estado. O Estado foi o seu próprio inimigo. E isso traduziu-se numa peso que carregaremos por mais 30 anos. O Estado falhou. Foi fraco com já disse. Falhou na negociação incial dos contratos e falhou na sua monitorização.
Houve portanto, erro humano nas PPP. E esse erro tem de ter responsáveis, porque foi a eles que nós confiámos a gestão de um bem cada vez mais escasso. O nosso dinheiro.
Mas tem de haver consequência para este desvario. Os políticos – que, generalizando, as fizeram, têm de dar uma explicação aos portugueses. Para nosso bem e para nossa tranquilidade. E também, porventura, para a confirmação da tranquilidade com que continuam a defender as suas opções como se nada de grave se tivesse passado. Porque das duas uma: ou correu tudo bem e tudo isto é mesmo assim, coisa que dificilmente acredito, ou de facto houve uma actuação lesiva para o interesse comum e um aproveitamento político de um conjunto de pressupostos teóricos cujo resultado é o que, infelizmente conhecemos.
O relatório que produzi é a manifestação de que a fiscalização política, embora tardia é certo, funcionou. Politiquices à parte, houve um sentimento unânime e transversal a todos os partidos. As coisas não correram bem. E todos têm essa consciência.
Cabe agora a outras instituições cumprirem o seu papel. O relatório foi enviado à Procuradoria-Geral da República, depois de aprovado, a 17 de Julho de 2013. Dela recebemos nota de entrega a 23 de Julho. Em Junho de 2012 o Procurador sobre um requerimento do PSD que o inquiria sobre as diligências tomadas na investigação às PPP disse: “Isso está mais do que esclarecido, as perguntas são sempre repetidas, alguém anda distraído, isso está a ser investigado há mais de um mês”,. Aguardamos o seu resultado.
Hoje em dia é quase obsceno dizer que há coisas boas na crise que atravessamos. Mas de facto há. Se não fosse a crise nunca teríamos descoberto a dimensão deste problema. Teríamos tido muito provavelmente mais três PPP rodoviárias e continuávamos num caminho de ilusão e de alguma loucura. O lado bom desta crise permitiu-nos também estarmos mais atentos e mais sensíveis para casos de incompetência, de abuso e de gestão danosa. E isso é bom.

 

[1] Acta da 5.ª Reunião da CPICRGPPPSRF, de 25 de Maio de 2012, intervenção do Juiz Conselheiro Carlos Moreno, pág. 9


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