Perfil do Marquês de Pombal
Posted by Hugo Neves on
A marquesa de Távora
Agora que temos aí à porta o centenário do Marquês de Pombal, vem de molde lembrar alguns episódios daquele tempo.
Toda a gente sabe que as marquesas de Távora eram simultaneamente duas: uma, D. Leonor; a outra, D. Teresa. A primeira, a velha, foi a que morreu degolada como regicida em 1759; a segunda, casada com o marquês, filho da justiçada, era a barregã do gordo D. José I.
Esta passava os seus dias confortavelmente entre as comendadeiras de Santos, ao passo que o marido, no cadafalso de Belém, era estrangulado, fracturado nas canas das pernas e nos braços a pancadas de marreta, rodado, queimado sobre uma barrica de alcatrão, pulverizado e atirado ao Tejo.
O ministro inglês Hay escrevia então para a corte de Jorge II:
«Pois que sua majestade deseja ser informado das particularidades desta conspiração, mencionarei uma circunstância, que procuram ocultar engenhosamente sem impedir que se não acredite, e é a única a que se atribui o pérfido procedimento dos Távoras: – são as relações do rei com a mulher do marquês novo, as quais começaram no tempo em que o general foi vice‑rei da Índia e continuavam agora.» (Memoirs of the marquis of Pombal, by John Smith).
Deste texto infere‑se que a injúria feita pelo rei a um marido, na condição vulgar do Távora, se não se considerava uma mercê magnânima, estava tão longe de ser um delito, que a tentativa de vingança foi considerada, pelo ministro inglês, um pérfido procedimento – treacherous behaviour.
João Lourenço da Cunha, quando Fernando I lhe arpoou a mulher, adornou a sua fronte com pontas de ouro; outros maridos, porém, recebiam dos monarcas o ouro; e, em vez de o porem na cabeça em formas caprichosamente retorcidas, escondiam‑no nas algibeiras para evitarem o escândalo. Estes não se nomeiam aqui para que os seus descendentes se não gabem de ter colaboração régia no seu génesis.
Desta marquesa apenas direi que era galante e casada aos dezasseis anos com o marquês seu sobrinho e da sua mesma idade; aos vinte e seis, cedeu sem rebuço às solicitações do rei e, aos trinta e seis, assistiu com heróico desplante ao desfecho da tragédia, cuja responsabilidade era toda sua. Era mulher forte a valer. Sobreviveu incólume, tranquila e respeitada. Qualquer outra sucumbiria no seu patíbulo interior, vendo tão barbaramente supliciado seu irmão, o marquês de Távora velho, sua cunhada e sogra, a honrada marquesa D. Leonor, seu cunhado e sobrinho José Maria de Távora, o outro seu cunhado conde de Atouguia, o duque de Aveiro marido de sua irmã Leonor, e finalmente seu marido e sobrinho, que devia pungir‑lhe a consciência porque é certo que a adorava. Invulnerável a estes golpes, era natural que resistisse às passageiras inquietações de ouvir o estertor dos que morreram nos subterrâneos do Bugio e da Junqueira – uns que tiveram a boa sorte de morrer depressa, e outros que aí agonizaram dezoito anos. O conde de Oeiras nada tinha que ver com o adultério de seu real amo e senhor; mas agora que temos aí à porta o centenário do Marquês de Pombal, vem de molde lembrar alguns episódios daquele tempo.
O meu empenho é dar a conhecer o perfil da marquesa de Távora D. Leonor.
Tinha sido gentilíssima, de um talento extraordinário, muito lida, uma verdadeira distinção na corte de D. João V. Quando foi do terramoto, contava ela cinquenta e cinco anos, e os que a conheceram nesse tempo chamavam‑lhe formosa. O congregado Teodoro de Almeida, seu contemporâneo e amigo, escreveu um mau poema intitulado Lisboa destruída. Se o publicasse em vida de D. José I, teria o destino do sábio Moura Portugal e do padre José Moreira. Neste poema, publicado em 1803, há uma vinheta, a do canto III, em que se vê a miniatura da marquesa D. Leonor, e diz a tradição que era um retrato fidelíssimo em que o artista se esmerara a rogos do poeta. Estão com ela a filha condessa de Atouguia, a nora marquesa de Távora e uma neta. Representam‑se a fugir do seu palácio derruído pelo terramoto. O congregado não extrema a marquesa velha das mais novas, quanto a beleza:
Neste ponto avistaram de repente
Junto a si três Matronas mui formosas.
Quem avistou as três matronas são dois sujeitos pouco épicos, Tirso e Misseno, que andam a filosofar por entre as ruínas. O poema raras vezes consegue ser lúgubre, como o caso pedia. Quando a gente se prepara para chorar na procissão de penitência, o padre Teodoro de Almeida, que triunfara no seu Feliz independente, dá‑nos estas duas estâncias:
Ali marcha entr’os justos misturada
Uma infame mulher, arrependida
De seus crimes, e vai já tão mudada,
Que sua face não é já conhecida.
O ermitão cuja vida retirada
Estrangeiro o faria e morto em vida
Ali vai: vão também os Estudantes,
Os que vivem d’Ofícios, e os tratantes.
Vai um Monge, uma velha c’um letrado
Um menino, e um cego c’um estrangeiro;
Vão dois padres, um coxo, um aleijado,
Um abade, um marquês e um barqueiro,
Um ministro de Toga c’um soldado:
Não importa ir depois ou ir primeiro,
E a Gram Patriarchal finalizava
Este culto, com o qual Deus s’ aplacava.
Para que Deus se aplacasse foi preciso que a procissão saísse daquele feitio. E com efeito, sacrificadas 40 000 vítimas, Deus aplacou‑se e tudo correu pelo melhor, como dizia o Doutor Pangloss que os inquisidores queimaram em Lisboa, se Voltaire não mente.
No poema, os arrazoados da marquesa são sempre eloquentes. O padre António das Neves, da congregação do oratório, escreveu notas eruditas à Lisboa destruída; e, com referência aos conceituosos discursos da marquesa, observa que foi fácil ao poeta inventá‑los, pois que ainda eram vivas pessoas que a conheceram. O certo é que a marquesa, aos cinquenta e cinco anos, era ainda uma esbelta senhora com o aprumo juvenil e o garbo da mocidade sadia e alegre. Às maneiras fidalgas e altivez de raça ajuntava a superioridade do espírito, essa segunda fidalguia que devia torná‑la odiosa à estupidez das suas primas.
* * *
A marquesa foi vice‑rainha da Índia, desde 1750 até 1754.
Um dos muitos e maus poetas toanteiros daquele tempo celebrou assim o denodo da marquesa na coragem de se embarcar para a Índia:
Vai, ó formosa heroína,
Do mar essas ondas sulca,
Que, se és Vénus na beleza,
Vénus nasceu das espumas.
Se és divindade, não temas
Da salgada água as fúrias,
Que até impera nos mares,
Imortal, a formosura.
Vai ser de Tétis inveja,
Ser de Neptuno ventura,
Das sereias lindo encanto,
Das ninfas formosa injúria.
Os tritões e as napeias
Sende alegres testemunhas,
A nau – Carroça, tu – Deusa,
Passeia as ondas cerúleas.
Vai, que é pequeno hemisfério
Um só mundo às luzes tuas,
E quem em um só não cabe
Juntamente o outro busca.
São do sol os diamantes
Produção brilhante e sua;
Se produz lá um sol tantos
Três que farão? Conjectura!
Vai examinar o oriente
Donde sai a luz mais pura,
Verás do teu nascimento
Belo esplendor, cópia justa.
Vai que desta vez, Senhora,
Ficará por tua indústria,
A valentia formosa,
A formosura robusta.
Mais vai só, vai teu esposo,
Tudo o mais creio se escusa,
Onde basta a tua fama
Sobeja a tua figura.
Sem violência no estrago
Terão teus raios fortuna;
Se ao sol os bárbaros adoram,
Logo que chegas, triunfas.
Se anima entre dois corpos
Uma só alma e não duas,
Pois a não partes na ausência,
Melhor a vida asseguras.
À dor da saudade foges
Tens razão, mostras desculpa
Por um estrago suave
Trocas uma morte dura.
Água e fogo são contrários,
Teu amor naturais muda,
Pois faz um novo milagre
Que o incêndio ao mar se una.
Vai! Conheça o mundo todo,
Mais alto poder divulga;
Que o sexo em ti domina,
O sangue que em ti circula.
Isto é o mais que podiam dar a Arte e o Ideal daquele tempo – o mais tenebroso eclipse das letras em Portugal. Mas este sincero entusiasmo inédito de Caetano José da Silva Souto‑Maior – o Camões do Rossio, devia sair das trevas para nos dar um testemunho do alto espírito e fenomenal formosura da vice‑rainha, que então orçava pelos cinquenta anos.
Dizem alguns historiadores que D. José I enviara capitão‑general para a Ásia o marquês de Távora, a fim de lhe poder conquistar a nora, cuja honestidade era vigiada impertinentemente pela marquesa velha. A desmoralização era possível; mas o anacronismo desmente‑a. D. José não era rei quando o marquês foi despachado. D. João V morreu, quando o marquês vice‑reinava. É todavia aceitável que o príncipe cooperasse para esse despacho, porque a data provável do adultério de D. Teresa justifica o lapso dos historiadores.
Ingratamente pagava D. José I ao marquês as pomposas festas de aclamação que lhe celebrava em Goa. Neste lance, o espírito da vice‑rainha criou coisas novas na Índia, e deu aos estrangeiros um testemunho da fictícia magnificência do génio português. Foi ela quem fez construir o primeiro teatro na capital da Índia, para festejar em três noites a aclamação do rei. O teatro era no paço de Pangim. A primeira peça representada foi em francês – a tragédia de Poro vencido por Alexandre, de Corneille.
São seis os personagens. Cinco dos actores eram franceses e um português, familiares da marquesa, à excepção de dois oficiais, filhos do coronel Pierremont. A maior parte dos assistentes não entendia palavra; – diz o desembargador de Goa Francisco Raimundo de Morais Pereira – foi a representação feita com tão vivas expressões que, ajudados de um sumário em português que a senhora marquesa tinha mandado traduzir da ópera, todos saíram satisfeitos e agradados da novidade, única até ao presente em Goa.
Quem talhou os soberbos costumes e dirigiu o guarda‑roupa foi a marquesa. Como a tragédia se passava na Índia, foi fácil seguir o rigor dos ricos trajos. A vice‑rainha assistiu aos lavores de camarim; e, muito intransigente em pontos de verosimilhança, quis que tudo tivesse a cor local. Nem na Europa se representaria tão cabalmente, diz o desembargador.
Depois da tragédia, houve baile, em que dançaram os interlocutores e alguns oficiais estrangeiros disfarçados. O desembargador não explica o disfarce: queria dizer que fingiam damas, talvez as baiaderas levantinas. O arcebispo primaz assistiu à tragédia e ao baile, na frente da plateia, ao lado esquerdo do vice‑rei. Findas as danças, a marquesa deu uma lauta ceia às fidalgas goesas.
Na noite seguinte, representou‑se uma ópera portuguesa, desempenhada por curiosos, em que entraram os Correias de Sá, irmãos do visconde de Asseca. A ópera era Adolonymo em Sidonia, diz o desembargador com insuficiente correcção. Apolonymo em Sidonia é que era, imitação do Alessandro in Sidonia, de Apóstolo Zeno, indigesta empada impressa em 1740. Agradou muito pela inteligência do idioma, acrescenta o cronista.
Dois dias depois, houve outro jantar para os cavalheiros, outra ceia para as damas, e representação de uma comédia espanhola. Mas o grande banquete a toda a nobreza foi no quarto dia dos festejos, em que os brindes eram acompanhados a salvas de artilharia. Nunca se vira no Oriente uma exuberância igual de iguarias. O magistrado exclama, profundamente tocado: «Competiu em todos estes dias a grandeza com a profusão, estando a copa de sua excelência aberta e pronta para todos os que queriam chá, chocolate, café, doces e outras delicadas bebidas, sendo igual o gosto dos criados que serviam à grandeza e realeza do sangue do seu ilustríssimo e excelentíssimo amo!» A marquesa fazia então distribuir regalos e avultadas esmolas pelas famílias fidalgas decaídas em miséria – relíquias dos antigos potentados da Ásia arruinados pela dissipação; e durante os quatro anos do seu vice‑reinado subsidiava com mesadas os que não podiam vir ao paço receber as esmolas. Esses mendigos envergonhados eram os legítimos representantes da Índia portuguesa.
A caridade da marquesa era tanto ou quanto maculada pela soberba da sua estirpe. Não descia uma linha da pragmática da sua alta posição. A esposa de um rajá enviara‑lhe um rico presente; mas no sobrescrito da carta não lhe dera excelência. A marquesa devolveu‑lhe o presente e a carta, – coisas que lhe eram decerto entregues por engano, visto que a ilustríssima não era a vice‑rainha da Índia. A mulher do régulo emendou; e, feita a errata, o presente foi recebido e liberalmente compensado.
O marquês inventara um ataque simulado entre a tropa e os sipais para festejar a aclamação. Nas suas Instruções aos sargentos‑mores e aos coronéis, declara peremptoriamente que, se algum dos soldados não andar bem, depois de ensaiados, será castigado asperíssimamente. E os soldados, para evitarem o castigo, quando atacavam Pangim, defendido pelos sipais, atiravam‑se ao mar despidos e calçados; e uns pobres cavaleiros, para evitarem a conflagração de uma mina, atascaram‑se com os cavalos num pântano, donde lhes custou muito a sair com vida.
Este marquês de Távora era inteligente. Não inventou a pólvora; mas inventou um engenho de a moer com perfeição desconhecida; e quem inventou o moinho, também seria capaz de inventar a pólvora, se fosse preciso. O desembargador descreve largamente os pormenores da máquina inventada pelo Exmo. vice‑rei e demonstra que o barril de pólvora de custo de 56$000 réis, pelas reformas e invenções do marquês, se obtinha por 33$000 réis. Ele também fez bom uso da pólvora contra os régulos, naquela guerra de cabotagem em que os vice‑reis imaginavam sustentar as tradições dos Albuquerques e dos Castros. Castigou o Canajá, inimigo poderoso que infestava os mares; arrasou a fortaleza de Neubadel e queimou as embarcações. Socorreu Neutim e venceu o Marata em batalha naval. Tomou a fortaleza de Piro ao rei de Sunda e devastou as terras de Pondá e Zambaulim. Enfim, as proezas do marquês de Távora têm a imortalidade de quinze opúsculos de autores diversos arquivados pelo Sr. Figanière, e quase todos raros, porque, depois da conspiração contra o rei, houve o propósito de eliminar da história o nome e os serviços da família Távora.
O ex‑vice‑rei, quando se recolheu ao reino, em 1754, já não encontrou na barra de Lisboa os membros da família real que o tinham ido cumprimentar e acompanhar na saída para o Oriente. D. José I participava do ódio do seu ministro à família que o desconsiderara porque, em verdade, os Távoras não conheciam Sebastião José de Carvalho, neto do padre Sebastião da Mata Escura e da preta escrava Marta Fernandes. A marquesa, quando desembarcou, estava triste; sabia que a sua casa estava desonrada, e que seu filho devorava em silêncio a afronta da esposa. Não obstante, a ex‑vice‑rainha era a grande fidalga, a mais perfeita senhora, o mais brilhante espírito dos salões onde se não via Sebastião José de Carvalho.
Agora, as duas páginas finais do destino da mais formosa jóia da corte de D. João V.
* * *
A aurora do dia 13 de Janeiro de 1759 alvorejava uma luz azulada do eclipse daquele dia, por entre castelos pardacentos de nuvens esfumaradas que, a espaços, saraivavam bátegas de aguaceiros glaciais. O cadafalso, construído durante a noite, estava húmido. As rodas e as aspas dos tormentos gotejavam sobre o pavimento de pinho. Às vezes, rajadas de vento do mar zuniam por entre as cruzes das aspas e sacudiam ligeiramente os postes. Uns homens, que bebiam aguardente e tiritavam, cobriam com encerados uma falua carregada de lenha e barricas de alcatrão, atracada ao cais defronte do tablado. Às 6 horas e 42 minutos ainda mal se entrevia a faixa escura com umas cintilações de espadas nuas, que se avizinhava do cadafalso. Era um esquadrão de dragões. O patear cadente dos cavalos fazia um ruído cavo na terra empapada pela chuva. Atrás do esquadrão seguiam os ministros criminais, a cavalo, um com as togas, outros de capa e volta, e o corregedor da corte com grande majestade pavorosa. Depois – uma caixa negra que se movia vagarosamente entre dois padres. Era a cadeirinha da marquesa de Távora, D. Leonor. Alas de tropa ladeavam o préstito. À volta do tablado postaram‑se os juízes do crime, aconchegando as capas das faces varejadas pelas cordas da chuva. Do lado da barra reboava o mugido das vagas que rolavam e vinham chofrar espumas no parapeito do cais. Havia uma escada que subia para o patíbulo. A marquesa apeou da cadeirinha, dispensando o amparo dos padres. Ajoelhou no primeiro degrau da escada, e confessou‑se por espaço de 50 minutos. Entretanto martelava‑se no cadafalso. Aperfeiçoavam‑se as aspas, cravavam‑se pregos necessários à segurança dos postes, aparafusavam‑se as roscas das rodas. Recebida a absolvição, a padecente subiu, entre os dois padres, a escada, na sua natural atitude altiva, direita, com os olhos fitos no espectáculo dos tormentos. Trajava de cetim escuro, fitas nas madeixas grisalhas, diamantes nas orelhas e num laço dos cabelos, envolta em uma capa alvadia roçagante. Assim tinha sido presa, um mês antes. Nunca lhe tinham consentido que mudasse camisa nem o lenço do pescoço. Receberam‑na três algozes no topo da escada, e mandaram‑na fazer um giro no cadafalso para ser bem vista e reconhecida. Depois, mostraram‑lhe um a um os instrumentos das execuções, e explicaram‑lhe por miúdo como haviam de morrer seu marido, seus filhos, e o marido da sua filha. Mostraram‑lhe o maço de ferro que devia matar‑lhe o marido a pancadas na arca do peito, as tesouras ou aspas em que se lhe haviam de quebrar os ossos das pernas e dos braços ao marido e aos filhos, e explicaram‑lhe como era que as rodas operavam no garrote, cuja corda lhe mostravam, e o modo como ela repuxava e estrangulava ao desandar do arrocho. A marquesa então sucumbiu, chorou muito ansiada, e pediu que a matassem depressa. O algoz tirou‑lhe a capa e mandou‑a sentar num banco de pinho, no centro do cadafalso, sobre a capa, que dobrou devagar, horrendamente devagar. Ela sentou‑se. Tinha as mãos amarradas, e não podia compor o vestido, que caíra mal. Ergueu‑se, e com um movimento de pé concertou a orla da saia. O algoz vendou‑a; e, ao pôr‑lhe a mão no lenço que lhe cobria o pescoço, – não me descomponhas – disse ela, e inclinou a cabeça, que lhe foi decepada pela nuca, de um só golpe.
* * *
Este começo de carniçaria, naquela manhã de nevoeiro, debaixo de um céu de chumbo impassível como a lâmina que degolou Leonor de Távora, há‑de sempre lembrar com horror e piedade. Porém, que nome execrado, que verdugo responsável escreveremos na página da História? Sebastião José, esse não tinha nada que ver com os adultérios de seu real amo e senhor. Mas agora que aí temos à porta o centenário do Marquês de Pombal, vem de molde recordar alguns episódios daquele tempo.
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