Nós, os padres (1º capitulo)

Posted by Alexandra Louro on

 

PREFÁCIO

 D. António Couto

 

Com a chancela da Alêtheia Editores, que saudamos, sai agora para fora do confessionário, como verdadeira confissão, ou exposição, o rol da vida de 11 padres, desenrolado e exposto pelos próprios. Seriam sempre extraordinárias estas narrativas, pelo simples facto de as figuras que nelas se retratam serem padres católicos, que nos habituámos a ver como pessoas reservadas e discretas, longe dos holofotes, dos palcos e dos escaparates. Mas são ainda mais extraordinárias e relevantes estas onze narrativas, pelo facto de os padres que nelas se retratam terem optado pelo caminho do sacerdócio, por assim dizer numa 2.ª via, depois de terem trilhado outros rumos universitários, que lhes abririam portas sociais e profissionais bem diferentes. Portanto, estes onze padres, que aqui expõem a sua vida e as razões que a sustentam, vão contar‑nos a sua experiência, os caminhos que encetaram e prosseguiram, os passos que deram, e, sobretudo, o que os fez, ou foi fazendo, nas diferentes encruzilhadas que se lhes depararam, começar a ver a vida com olhos diferentes, com esquadrias diferentes. Será sobretudo interessante e surpreendente, de modo particular para quem tem a ideia feita de que os padres são cinzentos e monótonos, feitos de renúncias e sacrifícios vários, verificar que palpita nestes onze retratos, não apenas uma vida igual a tantas outras, mas também uma alegria nova, um amor novo, um grande abraço à vida. Sim, não são retratos de plástico, anódinos e asséticos. E sim, o que levou, ou Quem levou estes onze jovens (ou nem tanto) a deixar para trás um percurso já andado e cimentado, uma carreira já perspectivada, um modo de vida já experimentado, e a abraçar livros novos, páginas novas, portas novas, todas ainda por abrir e percorrer? Vê‑se bem que não foi por desgosto ou desamor, mas por um amor maior, por mais amor.

Também se vê bem que anda muito Deus metido nos caminhos quotidianos destas histórias quotidianas e encantadas, e que é, com certeza Ele, o primeiro responsável por estas reviravoltas e peripécias. Em boa verdade, sou dos que penso que poucas coisas nos é dado verdadadeiramente escolher. Sou cada vez mais levado a ver que o veio mais fundo e fecundo que vai urdindo a nossa identidade e unicidade – que é aquilo que só eu posso fazer, e ninguém pode fazer  em  vez  de  mim  –,  não  depende  de  nenhuma  das  nossas escolhas, pois vem de antes de nós, de antes de a nossa memória registar qualquer sinal, de antes de podermos avançar algum acto voluntário meritório, de antes do ventre materno, de antes de antes. Vem do «amor fontal» de Deus, nosso Pai. Nós não escolhemos Deus nem o Amor nem o Bem. Não escolhemos. Somos escolhidos. Deus entra‑nos pela casa adentro, sem bater à porta e sem pedir licença, e elege‑nos, sem previamente nos ouvir, marca‑nos com uma eleição que não prescreve nunca, confia‑nos uma missão que não podemos rescindir, entrega‑nos um Amor a que não nos podemos subtrair.

Penso que foi assim que foram sendo tecidas estas vidas e estas histórias agora dadas a ler. Dia‑a‑dia vivendo, saboreando e respondendo a Deus e ao próximo com um amor novo, uma liberdade dada, recebida e agradecida, uma responsabilidade bela e auroral. Amor, liberdade, responsabilidade que não puderam parar e de que não puderam fugir. Caiu‑lhes nas mãos e no coração a condição de uma impossibilidade a que não se puderam subtrair. Impossibilidade mais impossível do que sair da própria pele, dever imprescritível e irrecusável que amorosa, livre, responsável e traumaticamente para sempre os marcou.

É tempo de lhes dar, a eles, a palavra, e aos leitores, tempo para lerem as linhas e entrelinhas destas histórias, aparentemente iguais a tantas outras, mas com Deus sempre por perto, na sala de aula, no corredor, no café, em tantos encontros ou desencontros que quase sempre julgamos apenas ocasionais. Pouco a pouco vamo‑nos apercebendo de que, quase sempre, nada é mais profundo do aquilo que se passa à superfície. É aí que tantas vezes caímos nas fintas pedagógicas que Deus, ou alguém por Ele, nos faz. E é assim, finta após finta, que Ele vai urdindo as vidas que se dizem nestas histórias. Ou as histórias que se dizem nestas vidas. E que implicarão certamente também o leitor, que se aventurar por estas avenidas. Por mim, fico à espera dessas aventuras.

 

† D. António Couto

Bispo de Lamego


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