Má Despesa Pública (Excerto 1.º capítulo)
Publié par Hugo Neves le
Governo e tudo à volta
Concertos, subsídios, festas e, principalmente, projectos ruinosos, outros duvidosos e ainda aqueles que ninguém viu. Prepare-se para o pior.
O motorista de 21 anos que ganha 1600 euros
Aos 21 anos, André Wilson da Luz Viola tem como função ser motorista da Secretaria de Estado da Cultura, ganhando por mês 1610,01 euros (brutos). É uma das nomeações do actual Governo. O mais curioso é que, quando o seu contrato foi publicado pela primeira vez no site do Governo, apresentava um salário de 1866,73 euros. Para se ter uma ideia da discrepância, ao serviço do primeiro-ministro há motoristas a ganharem 675,78 euros (brutos).
Flores para o PM
Na vida real, uma família que tem um jardim, de vez em quando, tira umas flores para alegrar um pouco o interior da casa. Nas instituições públicas, a lógica é diferente. Para manter o jardim da Presidência do Conselho de Ministros, o Governo adjudicou por dois anos gastos de 64 800 euros. Mesmo assim, para a residência oficial do primeiro-ministro há outro contrato, por três anos, para o fornecimento e manutenção de arranjos de flores naturais no valor de 54 mil euros. São 345 euros de flores por semana a partir de Março de 2011.
Precisa de uma agenda? Peça ao Estado
Há alturas em que até o Má Despesa se cansa de fazer contas. É o caso das agendas. A lista é quase interminável. No top dos mais gastadores encontramos a RTP, que em 2009 achou normal gastar 52 mil euros em agendas. No ranking de custos não faltam câmaras municipais e institutos públicos. O melhor é ir a Base.gov.pt e procurar por «agenda», de forma a saber onde encontrar uma agenda perto de si.
Grandes Jantares: A Gala do Talento
Já não se lembra dos Prémios Talento, em 2009? Trata-se de um concurso instituído pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, para distinguir os portugueses e luso-descendentes que vivem no estrangeiro e que se destacaram na sua actividade profissional. Já agora, saiba que o serviço de cocktail e jantar para 350 pessoas e decoração custou 30 050 euros.
A incrível Feira da Juventude
Pelos valores em causa, foi um verdadeiro festival do Sudoeste pós-férias de Verão. O Spot – Feira da Juventude 2009, organizado pelo Instituto Português da Juventude, custou, pelo menos, 680 mil euros. A lista de despesas é enorme. Aqui ficam as principais: 342 072 e 139 342 euros para a AIP (detentora do espaço) e 78 389 euros para alojamentos. Depois, há 50 mil euros para promoção do evento, mais 20 mil para a realização de um espectáculo e até o aluguer de 13 autocarros para trazer jovens do distrito de Castelo Branco. Como se percebe, depois da festa, no ano seguinte não houve Spot para ninguém. Aliás, o Spot era exactamente o quê?
Quanto custa alugar um centro de congressos?
Entre 22 e 24 de Abril de 2009, o Centro de Congressos de Lisboa recebeu, a convite do Governo português, o Fórum Mundial de Políticas de Telecomunicações – World Telecommunication Policy Forum – WTPF-09. Só as instalações, pagas à Associação Industrial Portuguesa – Confederação Empresarial (AIP-CE), custaram 2,1 milhões de euros.
Habitação por conta do Estado ou subsídio de alojamento
No dia 18 de Janeiro de 2012, foi publicado em Diário da República um despacho do gabinete do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, a determinar que «(…) aos chefes de gabinetes ministeriais que não tenham residência permanente na cidade de Lisboa ou numa área circundante de 100 quilómetros, é concedida habitação por conta do Estado ou atribuído um subsídio de alojamento, a partir da data do início de funções». Os contemplados são os chefes de gabinete do secretário de Estado Adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional, do secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, do secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social, da subsecretária de Estado Adjunta do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, bem como o ex-chefe de gabinete do secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa, o qual só exerceu funções de 28 de Junho a 4 de Setembro. Será que na Grécia ainda é assim?
Um dia para multiplicar por três
O que hoje é verdade, amanhã pode não ser. O Má Despesa já passou por essa experiência. A 31 de Janeiro de 2012 o blogue dava conta de que a Presidência do Conselho de Ministros tinha contratado uma pessoa, por mais de seis mil euros mensais (72 618 euros num ano), para «serviços de consultoria técnica de conteúdos». Em pouco mais de 24 horas, segundo informação publicada no portal Base, transformou-se num contrato com o mesmo valor, mas repartido por três anos. É surpreendente, mas um dia bastou para multiplicar o prazo por três, apesar de o contrato original ter sido publicado em Outubro de 2011.
A herança do Euro 2004
O Euro 2004 teve lugar entre 12 de Junho e 4 de Julho. A distribuição de jogos pelo país obrigou à renovação e construção de infra-estruturas, acessibilidades e equipamentos desportivos por todo o lado. Os estádios renovados ou reconstruídos situam-se em Lisboa, Porto, Algarve, Guimarães, Braga, Leiria, Coimbra e Aveiro.
Uma auditoria do Tribunal de Contas (TC), logo em 2005, apontava custos concretos para os 23 dias do evento. Mais de mil milhões de euros em investimento público geral, com um índice de derrapagem de 13,3 por cento só referente às acessibilidades, e encargos assumidos para as próximas décadas. Na proporção da comparticipação pública, 61 por cento foi concedida a promotores privados (clubes) e 39 por cento aos promotores públicos (autarquias, Turismo de Portugal, entre outros).
Citando casos isolados, o top das derrapagens vai para o Estádio Municipal de Braga. Obra premiada (Prémio Secil 2004) e arquitecto premiado Souto Moura (Prémio Pritzker 2011), o desvio médio relativo ao custo previsto foi de 360 por cento, numa média geral de derrapagem de 230 por cento.
Se os efeitos a curto prazo foram os referidos, a longo prazo a manutenção dos equipamentos assume o seu peso. O sobredimensionamento dos estádios é outra das questões, ao apresentarem uma taxa de utilização de 20 a 30 por cento.
Caso mais crítico é a situação dos estádios municipais, que dependem das autarquias para a sua manutenção. As empresas municipais criadas para a gestão dos estádios acumulam prejuízos anuais incomportáveis (quatro milhões em Leiria ou 1,7 milhões para Loulé/Faro). Em Braga, o empréstimo que pagou a obra equivalerá a 10 por cento do orçamento municipal nos próximos 20 anos. Em Leiria, os quatro milhões anuais de despesa resumem o evento: 30 mil lugares num estádio com uma ocupação anual de mil espectadores em 2006. A Câmara decidiu, entretanto, pôr o estádio à venda por 63 milhões de euros. Ainda não encontrou comprador.
Derrapagens, euforia, endividamento, manutenção, custos, despesa, turismo, auditoria. A informação escrita sobre o Campeonato Europeu de Futebol de 2004 inclui, entre outras, a maioria destas palavras. O consenso reúne-se quanto a um paradigma de má despesa pública. Milhões de euros, milhares de cachecóis, 10 estádios e oito anos depois, os resultados ainda são difíceis de sintetizar, mas 43,5 milhões de euros de despesa por cada dia de campeonato podia ser um resumo.
Carros nas mãos do Estado
Quase 20 anos depois, a realidade portuguesa parece não ter mudado. Escrevia o jornalista José Vegar na revista Grande Reportagem de Janeiro de 1993: «Em Portugal só há um Presidente da República, um primeiro-ministro e dezasseis ministros. Mas, apenas em 1992, os respectivos gabinetes compraram 32 BMW série 7, trinta Renault 25 BXI, oitenta Citroën XM e dez Mercedes 560 SL – la crème de la crème. A austeridade, como se vê, começa por cima e espalha-se como um polvo: há 22 300 carros ao serviço do Estado, sem contar com autarquias e empresas públicas. Quem disse que somos um país pobre?»
A Conta Geral do Estado de 2010 informa que o Parque Automóvel do Estado era constituído, em Agosto desse ano, por 28 921 veículos, dos quais 1683 para uso pessoal. A Inspecção-Geral de Finanças, no mesmo documento, também lamenta que alguns organismos do Estado apresentem «frotas excessivas face à missão e recursos humanos». As compras de novos automóveis «raramente foram precedidas de justificação de contratar, tanto do ponto de vista económico, como de ausência de soluções internas, bem como da explicitação dos objectivos que fundamentaram a decisão de contratar».
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